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Em tempos de Copa do Mundo, que tal aplicar o Pensamento Lean aos Esportes?

Blog post by Bruno Santos

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December 12, 2022 | Conceitos Lean, Lean Management

Como as 4 características do Lean podem assegurar a qualidade em diversas modalidades esportivas

Afinal, o que os esportes profissionais têm em comum com o Lean?

Quando alguém lhe fala de futebol, basquete ou até mesmo de futebol americano, dificilmente o seu primeiro pensamento recairia sobre o Lean. Afinal, o que tem uma coisa a ver com a outra? Assuntos completamente diferentes, não é mesmo? Bom, talvez nem tão diferentes assim.

O Lean, filosofia de gestão fortemente associada ao modelo de negócios da Toyota e que tem como foco a redução de desperdícios, possui em seus processos, sejam administrativos ou produtivos, 4 características marcantes.

AS 4 características do Lean:

Livre de distúrbios

Os processos devem estar livres de interrupções e com baixas oscilações. Presença constante do uso de poka-yokes, que são ferramentas de gestão que ajudam a evitar falhas humanas nos seus processos

Fluxo

O processo flui sem paradas, loops e evitando retrabalhos. Idealmente, busca-se o chamado One-piece-flow (fluxo de uma única peça), no qual se produz uma peça de cada vez, evitando os problemas associados com a produção em lotes

RITMO

É indicado produzir apenas o necessário e no momento necessário. O ritmo que comanda os processos deve ser o ritmo do cliente. Processos mais lentos do que o ritmo do cliente geram insatisfação e processos mais rápidos geram desperdícios. Conceito de takt time.

PUXADA

O sistema de puxada é aplicado quando não é possível obter o fluxo contínuo, seja pela necessidade de produzir em lotes ou por questões relacionadas à interface de processos adjascentes. Caracteriza-se pelo acionamento de processos anteriores através de sinais dados pelos processos mais à frente no fluxo de valor.

E OS ESPORTES?

Já os esportes profissionais são, em suma, um espetáculo. Sua rentabilidade está inerentemente conectada à sensação de qualidade e de “alto nível de competição“ percebidos pelo consumidor final. Seus regulamentos, portanto, servem para assegurar que a competição seja justa e, tão importante quanto, agradável de ser assistida do ponto de vista do torcedor. Essas duas características seriam, portanto, o que se traduz como qualidade para um regulamento esportivo.

E é justamente aí que entra a conexão do Lean com os esportes profissionais, pois, de forma inconsciente, as grandes ligas esportivas aplicam as 4 características do Lean em seus regulamentos de modo a assegurar a qualidade do jogo.

4 características do Lean aplicadas aos esportes profissionais

Livre de distúrbios

Começando pela primeira característica: “livre de distúrbios“, podemos reconhecer em alguns esportes a necessidade de assegurar que não haja interferência externa no espetáculo. A arbitragem com assistência de vídeo, presente em inúmeros esportes, como o futebol, basquete, vôlei, tênis e muitos outros, é um recurso amplamente reconhecido como uma tentativa de estabelecer um poka yoke dentro do mundo dos esportes. Evitar a falha humana e, por consequência, preservar a integridade das partidas é o principal fator que argumenta a favor do uso dessa tecnologia.

Se tratarmos de futebol especificamente, em 2010, numa partida de oitavas de final de copa do mundo entre Alemanha e Inglaterra, um gol legítimo da Inglaterra foi mal anulado pela arbitragem, que alegava que o chute do meio-campista inglês, Frank Lampard, não havia ultrapassado a linha do gol. Na copa seguinte, de 2014 no Brasil, a tecnologia de detecção automática de gols, conhecida como “goal-line technology“ já estava 100% implementada para evitar que situações como a de 2010 se repetissem.

Uso do VAR (Video-assistant referee) torna o processo de arbitragem cada vez mais à prova de erros.

Mais recentemente, na copa de 2022 no Catar, foi testada a tecnologia da marcação do impedimento de forma semi-automática, que, aliada ao uso do VAR (Video-assistant referee), busca tornar o processo de arbitragem cada vez mais à prova de erros. Ainda falando da copa do Catar, a tecnologia de goal-line foi utilizada mais uma vez de forma decisiva, para poder validar o gol legítimo da seleção japonesa contra a Alemanha pela fase de grupos.

Migrando para terras estadunidenses, uma mudança recente no sentido de eliminar distúrbios é a construção de arenas de futebol americano que sejam cobertas. O intuito, além de evitar intempéries, é extremamente sutil. No futebol americano, há situações de jogo em que o time que está atacando precisa chutar a bola oval na direção das traves em Y que formam o gol, chamada de situação de field goal. As arenas fechadas, como não possuem ventos fortes que alteram a trajetória da bola, permitem que os atletas responsáveis pelos chutes consigam chutar a bola alguns poucos metros mais à frente, distância essa que é crucial ao marcar ou não marcar um field goal.

Fluxo

            Quando falamos de fluxo dentro do contexto do Lean, estamos tratando de gerar uma situação em que trabalhemos no menor lead time possível, priorizando o chamado “one-piece flow“ em detrimento da utilização da produção em lotes. Queremos que os processos fluam e que não haja interrupções.

            Quando tratamos de esportes, precisamos nos lembrar que o “produto“ final é o espetáculo. Desta forma, é interessante que haja algo acontecendo diante de nossos olhos a todo momento.

Nesse ponto, há grande dificuldade por parte dos regulamentos esportivos de gerar essa sensação de emoção constante. Afinal, estamos tratando de pessoas e não de máquinas, de modo que existem pausas para descanso na grande maioria dos esportes coletivos. No entanto, alguns esportes possuem em seus regulamentos formas de evitar essas pausas ao máximo.

            Podemos comparar, portanto, 3 regulamentos de esportes quando o assunto é substituição de jogadores: Futebol, Basquete e Futebol de salão.

No futebol, as substituições de jogadores acontecem com uma pausa no jogo dedicada apenas para isso,  que leva cerca de 1 minuto (por substituição) e “esfria“ o jogo. Esse tempo perdido é acrescido ao final da partida, mas, geralmente, quando chegamos nessa etapa de acréscimos o jogo já está decidido, de modo que perde-se o impacto que aquele tempo poderia ter ao longo do jogo (parecido com uma hora-extra, não é mesmo?). No basquete, as substituições funcionam de modo um pouco diferente. Ao contrário do futebol, o basquete funciona com o uso de um relógio que pára a cada momento em que a bola não se encontra em jogo. É nesse momento que são feitas as substituições, de modo que não há interrupção do jogo apenas por esse motivo. Ou seja, utiliza-se um momento de parada “obrigatória“ para realizar a substituição. Se pudéssemos comparar as substituições de ambos os esportes com um set-up (o que de certa forma, não deixa de ser uma comparação extremamente justa), podemos perceber que no basquete há a preocupação de tentar realizar esta troca num momento “improdutivo“. Há ainda uma terceira forma de substituição, que ocorre em esportes como o handebol e futebol de salão. Nesses esportes, não há parada para substituições. Elas ocorrem com o jogo rolando, de modo que a ação do jogo não é interrompida pela necessidade de descanso de um ou mais jogadores. Será que não seria possível fazer o mesmo com o futebol, com o basquete ou com outros esportes em que haja essa “interrupção“? Será que em nossas empresas estamos “substituindo nossos jogadores“ da mesma forma que ocorre no futebol?

Ritmo

No Lean, o ritmo dos processos vem sempre associado a um termo denominado takt time, que representa a frequência com a qual o cliente demanda os serviços/produtos de uma organização. Nos esportes, isso se torna um pouco abstrato para mensurar. Podemos tratar isso de duas formas:

  • Podemos tratar isso de duas formas:
    • Com qual frequência o público espera que o espetáculo aconteça?
    • Com qual frequência deve haver emoção dentro do jogo para que atenda ao meu público?

Embora o esporte mais popular do mundo seja o futebol, os esportes americanos apresentam respostas melhores para estas duas questões. A preocupação da NBA, a liga americana de basquete, considerada uma das ligas esportivas de mais alto nível do mundo, é tanta com a primeira questão que, em muitos momentos, a direção da liga entra em atrito com os atletas devido à grande quantidade de jogos. Um time da NBA joga 82 jogos por temporada. Isso sem contar os jogos do mata-mata, que podem somar até 28 jogos ao calendário já extenso das equipes.

A MLB, liga americana de beisebol,  adota um calendário ainda mais extremo. São 162 jogos disputados por cada equipe durante a temporada, sem contar os jogos dos playoffs, o mata-mata dos esportes americanos. Com isso, as equipes jogam praticamente todo dia, uma vez que a temporada não dura o ano todo.

Para a segunda pergunta, dois exemplos interessantes envolvem a NFL, liga de futebol americano dos EUA, e a NBA (mais uma vez). Na NFL há um relógio que determina o tempo máximo que uma equipe pode demorar para começar um novo ataque. Esse relógio possui 40 segundos e se inicia assim que uma jogada ofensiva termina. Esse mecanismo garante que de 40 em 40 segundos tenhamos a ocorrência de uma nova jogada ofensiva.

Na NBA (e no jogo de basquete ao redor do mundo de forma geral), há dois mecanismos similares. Cada equipe que tem a posse de bola possui apenas 8 segundos para sair da sua própria quadra e entrar na do adversário e possui 24 segundos de tempo total de posse de bola para definir seu ataque. Ou seja, existe um ritmo imposto no jogo, de modo que de 24 em 24 segundos temos uma tentativa de ataque pelas equipes.

Essa regra foi criada em 1950, após um jogo da NBA em que um dos times teve a ideia de, uma vez em que estivessem à frente do placar, deixassem de atacar e apenas trocassem passes entre si para gastar o tempo, sem permitir que seu adversário fizesse pontos. O jogo em questão foi tão “sem graça“ que houve uma queda generalizada de público nos jogos da liga naquele ano.

A NBA é hoje a liga de basquete mais rentável do mundo, muito pela sua preocupação em tornar o jogo cada vez mais agradável aos olhos do público. Vale lembrar que é importante focarmos naquilo que é valor para o nosso cliente!

Puxada

A puxada é a característica à qual recorremos quando não conseguimos atingir de forma integral as outras 3 características. É a forma que encontramos de minimizar os desperdícios em situações em que temos de lidar com interfaces em nossos processos.

Uma ferramenta muito conhecida dentro dessa característica é o uso de “supermercados kanban“, que é uma forma de manter um estoque controlado e calculado em situações em que é impossível operar em “one-piece flow“. O conceito consiste em manter um estoque controlado cuja reposição funciona através de sinais pré-estabelecidos que garantam que haja um estoque mínimo e um estoque máximo no sistema.

Por mais estranho que pareça, muitos esportes trabalham de forma similar para evitar desperdícios. As grandes ligas americanas trabalham isso através de um sistema que limita o número de jogadores por equipe. Na NBA esse limite é de 15 jogadores, na NFL de 53 jogadores, na NHL de 23 e assim por diante. Uma vez que a equipe possua este número limite de jogadores em seu elenco, ela não pode realizar mais contratações a não ser que mande algum jogador para outra equipe, mesmo que tenha o “dinheiro“ para arcar com aquela contratação.

Outro mecanismo presente nos esportes americanos é o uso do Draft para inserção de novos jogadores na liga. O Draft, que ocorre anualmente, é um evento em que cada equipe escolhe um número fixo de jogadores (2 na NBA, 7 na NFL por exemplo) vindos das faculdades americanas e de outros países. Essa regra garante um fluxo constante de jogadores dentro do sistema da liga, de modo que não “faltem jogadores“, mas, aliada ao limite de cada elenco, também permite que não sejam cometidos excessos e que não haja uma “superprodução“ de jogadores.

Outra situação que pode gerar uma reflexão nesse sentido é a diferença de abordagem de contratação e de reposição de jogadores de alguns clubes de futebol. No Brasil, e na grande maioria dos países em que existam ligas de futebol, não há sistema de Draft. Os jogadores entram no sistema através das categorias de base e trocam de clubes através da negociação entre os clubes pelos passes dos jogadores.

Com isso, há duas formas de repor um jogador que saia de um clube de futebol (seja por motivo de uma venda ou aposentadoria): O clube pode realizar a contratação de um jogador de um outro clube ou pode promover um jogador de seu elenco juvenil para o time principal.

Uma diferença entre ambas as abordagens se dá pela diferença de tempo entre cada uma dessas opções. “O lead time de reposição“ quando promovemos um jogador da base é muito mais curto do que se comparado à contratação de um jogador. É  possível comparar ambos os modelos com a reposição de estoques em empresas, sendo que a contratação de um jogador da “base“ estaria mais próximo de um estoque controlado e balanceado, uma vez que o clube costuma realizar com suas equipes juvenis um trabalho pensado justamente para poder suprir saídas eventuais de jogadores da equipe principal.

Conclusão

O Lean é uma filosofia, é um modo de pensar que assegura que o foco de um sistema seja agregar valor ao seu cliente e reduzir desperdícios. Com isso, sua aplicabilidade vai muito além da indústria automotiva e de ambientes fabris. Sua aplicação já é realidade em ambientes administrativos, em instituições de saúde e no setor de construção civil. No ambiente esportivo, hoje em dia, o Lean é aplicado aliado ao Six-Sigma apenas como forma de estudar padrões estatísticos e explorar melhorias de performance. Mesmo assim, podemos perceber que a base do pensamento Lean se reflete na forma como realizamos melhorias em nossos processos, independente da área de atuação.
           

Será que não teríamos muito mais a explorar?

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