* Por Alberto Senapeschi Neto
Planejar cadeias de suprimentos ainda é visto por muitos como o ato de planejar a despensa de casa. Ir até o armário, avaliar quantos sacos de arroz você possuí, qual o plano de consumo de arroz da semana e, então, decidir quanto sacos de arroz você vai comprar no mercado. Não raramente, esse exemplo é utilizado para explicar o que significa o planejamento de cadeias de suprimentos e não raramente encontramos profissionais dedicados, porém de visão limitada do mundo, exercendo essa função em organizações. Já ouvi várias vezes que ser planejador de cadeias é simples, basta saber somar e subtrair.
A crise atual que vivemos nos faz refletir se realmente esta função é tão simples assim. Se o mundo fosse perfeito e vivêssemos nas “condições normais de temperatura e pressão”, como dizem os químicos, talvez a atividade do planejamento de redes de suprimentos fosse realmente simples assim. A complexidade está no fato de que o mundo não é uma constante. Conhecer o que acontece no mundo, estar atento a tudo que se relacione aos mercados fornecedores parece óbvio para essa função, mas não é algo fácil de se conseguir.
Há 13 anos, pesquisadores de Hong Kong publicaram o artigo “Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging Infection” (Vincent C. C. Cheng, Susanna K. P. Lau, Patrick C. Y. Woo, Kwok Yung Yuen – Clinical Microbiology Reviews, 2007). Logo na introdução do artigo, os pesquisadores afirmam: “a presença de um grande reservatório de vírus SARS-Corona em morcegos-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba-relógio”.
Há 5 anos, Bill Gates ofereceu uma palestra na plataforma TED TALKS com o título “O próximo surto? Não estamos preparados”, onde previa algo muito parecido com o que estamos passando hoje. Há um ano tivemos a greve dos caminhoneiros no Brasil, em que as distâncias se tornaram um problema e o abastecimento de inúmeros produtos se tornou escasso. O que aprendemos com estes três acontecimentos postos juntos aqui? O que poderíamos ter feito diferente? Será que poderíamos ter nos planejado de alguma forma alternativa?
O bom planejamento de cadeias de suprimentos prevê mais do que fazer a conta básica do estoque atual vs consumo histórico. Ele obriga as empresas a estarem atentas a tudo de importante e significativo que acontece e que se torna público nos seus principais mercados abastecedores. Assim como em marketing, os profissionais devem estar atentos às tendências e a tudo que é publicado sobre a intenção do consumidor. Em planejamento de cadeias de suprimentos, devemos desenvolver uma base similar de informações sobre possíveis tendências e riscos nos mercados abastecedores.
Algumas empresas já trabalham, por meio de áreas de inteligência em compras, com atenção voltada aos riscos mundiais, não somente de preços, mas principalmente aos riscos ambientais e sociais. Estas empresas, como solução, criaram redes mais próximas de fornecedores alternativos, mesmo que, por vezes, com custos um pouco maiores.
Sem dúvida há um grande trade-off nessa questão, ou seja, quanto investir de tempo e de recursos em algo que pode não acontecer? A história vai nos mostrar qual o custo disso. Socialmente falando, temos o exemplo da Alemanha que investiu em mais leitos do que talvez tenha utilizado nos últimos 10 ou 20 anos, mas, nesse momento, o investimento parece estar valendo a pena.
Acredito que, após a pandemia e toda a consequência social e econômica que ela trará para as empresas, o investimento em planejamento e na criação de cenários alternativos de abastecimento serão mais valorizados. A forma como as organizações avaliam riscos sociais e ambientais será revista. Muitas organizações ainda o fazem pensando exclusivamente em atender a critérios básicos de normas regulamentadoras, como ISO, por exemplo, entre outras. Obviamente, sempre existirão eventos inesperados e surpreendentes. A grande diferença é como estaremos preparados a eles.